Os cientistas John Hopfield e Geoffrey Hinton são os ganhadores do Nobel 2024 em Física, anunciou a Academia Real das Ciências da Suécia nesta terça-feira (8).

Eles dividirão o prêmio que totaliza 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 5,8 milhões). Hopfield é norte-americano e Hinton, britânico.

A dupla levou o Nobel por suas "descobertas e invenções fundamentais que permitem o aprendizado de máquina (machine learning, em inglês) com redes neurais artificiais" (entenda mais abaixo).

Essas redes são essenciais para o desenvolvimento da inteligência artificial (IA), permitindo que computadores realizem tarefas complexas de maneira similar ao cérebro humano.

 

"Embora os computadores não possam pensar, as máquinas agora podem imitar funções como memória e aprendizado. Os laureados do Prêmio Nobel de Física de 2024 ajudaram a tornar isso possível", afirmou o comitê do prêmio, em uma publicação.

 

No ano passado, o prêmio de Física foi para três cientistas com estudos que exploraram o mundo dos elétrons. Desde 1901, mais de 200 pessoas foram laureadas. A distinção científica só não foi concedida em seis ocasiões: em 1916, 1931, 1934, 1940, 1941 e 1942.

Até 2023, no entanto, das 224 pessoas agraciadas com o Nobel em Física, apenas 5 eram mulheres. Entre elas, a cientista polonesa Marie Curie, a primeira mulher a ganhar o prêmio.

 

Os vencedores

Ambos os laureados dividem igualmente o prêmio, recebendo metade cada um pelo impacto de suas contribuições no campo da IA.

Geoffrey Hinton nasceu em 6 de dezembro de 1947, em Londres, Reino Unido. Ele é pesquisador vinculado à Universidade de Toronto (Canadá) e atuou como consultor no Google. Em 2023, ele pediu demissão da empresa e alertou sobre os riscos da IA para a humanidade.

Hinton é um dos pioneiros no campo da inteligência artificial, sendo reconhecido por suas contribuições que revolucionaram o reconhecimento de fala e a classificação de imagens.

Ao longo de sua carreira, recebeu prêmios importantes, como o Prêmio Turing, considerado o "Nobel da Computação".

Já John Hopfield nasceu em 15 de julho de 1933, em Chicago, EUA. Ele é professor emérito da Universidade de Princeton, em Nova Jersey (EUA), e é amplamente conhecido por suas contribuições à neurobiologia e à física teórica.

Hopfield desenvolveu um modelo de rede neural que simula o funcionamento do cérebro de seres humanos, permitindo o armazenamento e processamento de informações. Sua pesquisa lhe rendeu prêmios como a Medalha Dirac e o Prêmio Albert Einstein.

Os cientistas John Hopfield e Geoffrey Hinton, ganhadores do Prêmio Nobel 2024 em Física. — Foto: The Nobel Prize

Os cientistas John Hopfield e Geoffrey Hinton, ganhadores do Prêmio Nobel 2024 em Física. — Foto: The Nobel Prize

 

As descobertas

O comitê do Nobel afirmou que Hopfield e Hinton levaram o prêmio por suas contribuições fundamentais para a criação de métodos que são a base das chamadas redes neurais artificiais usadas hoje.

Hopfield desenvolveu uma estrutura capaz de armazenar e reconstruir informações (as redes de Hopfield), enquanto Hinton inventou um sistema que identifica padrões em dados de forma autônoma, dois estudos essenciais para o avanço da IA.

Nos anos 80, o norte-americano, que antes se dedicava a problemas teóricos de biologia molecular, voltou sua atenção para o estudo do cérebro humano e propôs a rede que consegue armazenar padrões e recuperá-los quando apresentados de forma incompleta.

Dessa forma, ele criou o que chamamos de "memória associativa", onde uma rede neural artificial, de forma semelhante aos neurônios do cérebro humano, pode reconstruir dados mesmo que estejam parcialmente apagados ou distorcidos.

Hinton, por sua vez, ampliou essas ideias, aplicando conceitos da física estatística criando uma tecnologia que consegue identificar padrões, não por instruções diretas, mas após ser alimentada com exemplos.

Na prática, isso quer dizer que o sistema pode reconhecer novos elementos com base nas características que aprendeu em dados anteriores.

E é isso que é o aprendizado de máquina: ao contrário de softwares tradicionais, por exemplo, que funcionam como uma receita, ele processando dados de forma linear, permitindo que o computador aprenda com exemplos.

Dessa forma, o sistema pode resolver problemas complexos que seriam impossíveis de serem geridos apenas por instruções passo a passo. A identificação de objetos em uma imagem é um exemplo disso, algo que requer uma compreensão mais profunda e dinâmica.

Pesquisas foram fundamentais para o desenvolvimento da inteligência artificial (IA), permitindo que computadores realizem tarefas complexas de maneira similar ao cérebro humano. — Foto: The Nobel Prize/Academia Real das Ciências da Suécia

Pesquisas foram fundamentais para o desenvolvimento da inteligência artificial (IA), permitindo que computadores realizem tarefas complexas de maneira similar ao cérebro humano. — Foto: The Nobel Prize/Academia Real das Ciências da Suécia

 

Riscos da tecnologia

Ao se desligar do Google em 2023, Hinton afirmou que tomou essa decisão para poder discutir abertamente os riscos associados à tecnologia, após perceber que os computadores poderiam alcançar um nível de inteligência superior ao dos humanos muito antes do que ele e outros especialistas haviam previsto.

Na educação, por exemplo, os riscos associados ao uso de conteúdos gerados por IA incluem a preguiça mental, a manipulação de comportamentos e a promoção de estereótipos. Por isso, diversos países do mundo discutem políticas para proteger pessoas vulneráveis à tecnologia.

Em 2023, a União Europeia (UE), por exemplo, estabeleceu um acordo provisório sobre a chamada Lei da Inteligência Artificial, visando regular o uso da tecnologia.

O acordo determina obrigações para empresas como OpenAI e Google, incluindo transparência em conteúdos gerados por IA e proteção dos direitos dos cidadãos. As empresas que não cumprirem as regras enfrentarão multas de até 35 milhões de euros ou 7% da receita global.

Ao g1, Eva Olsson, membro da Academia Real Sueca de Ciências e parte do comitê de seleção do Prêmio Nobel de Física, defende que apesar do reconhecimento, o comitê não realiza ciência, mas coloca em evidência o potencial positivo de tecnologias como a inteligência artificial e o aprendizado de máquina.

Ela diz que também tem suas preocupações com o rápido desenvolvimento da tecnologia, mas que espera que o prêmio ajude a reconhecer esses riscos, permitindo que ações sejam tomadas para maximizar os benefícios e minimizar os perigos associados.

 

"Precisamos ser muito humildes, pois não estamos fazendo a ciência; estamos colocando o foco em certos aspectos que consideramos realmente importantes", alerta.

 

A nossa esperança é reconhecer esses riscos para que possamos, o mais cedo possível, garantir que reduzamos os riscos e cuidemos realmente dos benefícios e do potencial dessa tecnologia.

— Eva Olsson, membro da Academia Real Sueca de Ciências e parte do comitê de seleção do Prêmio Nobel de Física, em entrevista ao g1.

 

Curiosidades sobre o Nobel de Física

O ganhador mais jovem do Nobel de Física foi Lawrence Bragg, que recebeu o prêmio aos 25 anos, em 1915, junto com seu pai.

Em 47 ocasiões, apenas um laureado foi premiado. Já em 32 anos, o prêmio foi dividido entre dois cientistas, e em 38 vezes, três dividiram o reconhecimento.

Arthur Ashkin, por sua vez, detém o título de mais velho a ganhar o prêmio, aos 96 anos, em 2018.

Já Marie Curie foi a primeira mulher a receber o Nobel de Física, em 1903, por suas descobertas sobre a radiação, sendo também a primeira a ganhar dois prêmios Nobel, o segundo em Química.

 

Nobel 2024

A láurea em Medicina foi a primeira a ser anunciada, na segunda (7). Os prêmios em QuímicaLiteratura Paz serão entregues ainda nesta semana; já a láurea em Economia será divulgada na próxima segunda (14). Veja o cronograma:

 

  • Medicina: segunda-feira, 7 de outubro
  • Física: terça-feira, 8 de outubro
  • Química: quarta-feira, 9 de outubro
  • Literatura: quinta-feira, 10 de outubro
  • Paz: sexta-feira, 11 de outubro
  • Economia: segunda-feira, 14 de outubro

 

Veja, abaixo, perguntas e respostas sobre o prêmio.

Um busto do fundador do Prêmio Nobel, Alfred Nobel, em exibição durante cerimônia de entrega da láurea em 2018, em Estocolmo. — Foto: Henrik Montgomery/TT News Agency via AP, File

Um busto do fundador do Prêmio Nobel, Alfred Nobel, em exibição durante cerimônia de entrega da láurea em 2018, em Estocolmo. — Foto: Henrik Montgomery/TT News Agency via AP, File

 

O que é o Prêmio Nobel?

A láurea foi criada pelo químico e empresário Alfred Nobel. Inventor da dinamite em 1867, o sueco doou a maior parte de sua fortuna em testamento para a criação de prêmios de física, química, medicina, literatura e paz (o prêmio de economia foi criado anos mais tarde).

O documento dizia que os prêmios deveriam ser concedidos “àqueles que, durante o ano anterior, tenham conferido o maior benefício à humanidade”.

Contudo, hoje em dia, conforme explica Juleen Zierath, membro do Instituto Karolinska -o júri do Nobel de Medicina-, essa regra não é mais tão levada à risca.

"Você pode ter feito essa descoberta em um estágio muito inicial de sua carreira de pesquisa, ou pode ter feito essa descoberta em um estágio muito avançado de sua carreira de pesquisador", ressalta a pesquisadora.

 

Como o prêmio é escolhido?

Todos os anos, o Comitê do Nobel envia um pedido de nomeação para membros da comunidade científica.

Isso significa que alguns candidatos elegíveis recebem um convite especial para enviar seus nomes. Sem esse convite, nenhum postulante pode concorrer ao prêmio.

 

"Você não pode se nomear, mas membros de comunidades científicas, reitores de faculdades de Medicina [no caso do prêmio na área], ex-laureados com o Prêmio Nobel e outros que trabalham no ramo científico mais amplo e que receberam esse pedido podem fazer uma indicação", diz Zierath.

 

A medalha do Prêmio Nobel. — Foto: The Nobel Prize

A medalha do Prêmio Nobel. — Foto: The Nobel Prize

 

Quantas pessoas podem compartilhar o mesmo prêmio?

Até três pessoas podem compartilhar um Prêmio Nobel, ou uma organização pode ganhar a láurea da Paz.

A Fundação Nobel, responsável por realizar os desejos do seu fundador, ressalta que essa regra está descrita no testamento de Alfred Nobel.

“Em nenhum caso o valor do prêmio pode ser dividido entre mais de três pessoas", destaca um trecho do documento. Alguns pesquisadores, porém, criticam essa escolha e afirmam que as descobertas científicas de hoje em dia são muito mais coletivas: um trabalho de várias pessoas.

 

A láurea pode ser concedida postumamente? Tem limite de idade?

Não, um Prêmio Nobel não pode ser concedido postumamente.

Apesar, disso, a Fundação ressalta que, desde 1974, se o destinatário do prêmio falecer após o anúncio, a láurea ainda poderá ser concedida.

Sobre o limite de idade, o prêmio também não tem uma regra a respeito.

"O que eu diria é que, na maioria das vezes, levamos muitos anos até que o campo científico reconheça que a descoberta que você fez é uma distinção que deveria ser considerada para um Prêmio Nobel. Então, às vezes você tem que ser bastante paciente", ressalta Zierath.

 

Por Roberto Peixoto, g1

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