O relatório final da Polícia Federal sobre uma suposta trama golpista diz que a atuação da cúpula das Forças Armadas travou a ofensiva golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro e impediu a concretização do plano que previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

A investigação, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), teve como um dos principais eixos condutores os depoimentos dos ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior.

O então chefe da Marinha, por outro lado, deu apoio à ofensiva golpista, segundo a PF, e foi indiciado.

Os depoimentos dos ex-comandantes das Forças Armadas colocaram, na avaliação da Polícia Federal, Bolsonaro no centro da trama que planejava um golpe de Estado. Após a derrota para Lula, Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada com a presença dos comandantes das Forças Armadas e de Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa.

O ex-mandatário, segundo o inquérito, apresentou um documento que previa as hipóteses de instaurar Estado de defesa ou de sítio, além de dar início a uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

A minuta golpista seria o primeiro passo para impedir a posse de Lula, de acordo com a investigação. O advogado Fabio Wajngarten, que defende o ex-presidente, já afirmou anteriormente nas que “não houve nada de golpe nem de prisão”.

O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse em depoimento que se opôs aos planos golpistas de Bolsonaro. Ele relatou que foram apresentadas a ele duas versões da minuta do golpe pelo próprio ex-presidente e por Nogueira, avisando que aquilo tinha que ser implementado. O comandante implicou diretamente o ex-presidente na tentativa de golpe.

"Em outra reunião no Palácio da Alvorada, em data em que não se recorda, o então presidente Jair Bolsonaro apresentou uma versão do documento com a decretação do estado de defesa e a criação da comissão de regularidade eleitoral para 'apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral'", diz o registro da oitiva de Freire Gomes à PF.

Bolsonaro também teria chamado reservadamente no Alvorada o general Estevam Theophilo, comandante do Coter — comando das Operações Terrestres — com o intuito de mostrar o “firme propósito de implementar o que estava escrito”. O general Theophilo disse que foi à reunião no palácio a mando de Freire Gomes. Contudo, Freire Gomes não confirmou essa informação e disse que a ordem não partiu dele.

O general afirmou ainda à PF que se manifestou contra qualquer ação que impedisse a posse de Lula tanto diante de Bolsonaro como no Ministério da Defesa, em discussões reservadas com generais sobre o assunto.

Assim como Freire Gomes, o tenente-brigadeiro Baptista Jr, que ocupou o cargo de comandante da Aeronáutica, também viu as duas versões da minuta do golpe, conforme revelou no depoimento para a PF – e afirmou que, se não fosse a recusa do comandante do Exército, o golpe provavelmente teria ocorrido.

"Indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta do decreto que viabilizasse um golpe de Estado não fosse adiante respondeu que sim; que caso o comandante tivesse anuído, possivelmente a tentativa de Golpe de Estado teria se consumado", afirma o registro do depoimento.

Ainda de acordo com o depoimento do ex-comandante da Aeronáutica, Bolsonaro teria sido alertado por ele que, se continuasse com a tentativa de golpe de Estado, teria que ser preso por ele.

"Em uma das reuniões dos comandantes das Forças com o então presidente após o segundo turno das eleições, depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de institutos previstos na Constituição (GLO [Garantia da Lei e da Ordem], ou estado de defesa, ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República", relatou.

Esse é o terceiro indiciamento do ex-presidente em investigações realizadas pela Polícia Federal. À trama golpista, somam-se as apurações envolvendo uma fraude nos cartões de vacina e a venda de joias recebidas como presente ao Brasil de nações estrangeiras.

 

Plano dos "kids pretos"

O relatório da Polícia Federal aponta que o plano para matar Moraes no dia 15 de dezembro de 2022 foi cancelado após a cúpula do Exército se negar a aderir à tentativa de golpe.

“Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar ministro Alexandre de Moraes foi abortada”, diz o relatório.

A negativa de adesão teria ocorrido no dia 15 de dezembro, data em que um grupo de seis pessoas monitorava os passos de Moraes, por Brasília, na intenção de executar o plano.

Nesse dia, Bolsonaro recebeu Freire Gomes, comandante do Exército, no Palácio do Planalto. Naquele dia, Mario Fernandes, então número dois da Secretaria-Geral, havia enviado um áudio ao general Ramos, titular da pasta, mostrando otimismo na adesão das Forças Armadas.

“Kid preto, algumas fontes sinalizaram que o comandante da Força sinalizaria hoje, foi ao Alvorada para sinalizar ao presidente que ele podia dar ordem”, disse Fernandes.

Gomes, no entanto, frustrou os planos do grupo e não aderiu aos planos golpistas, segundo relatório da PF.

Naquele mesmo dia, a PF registrou os passos do grupo de seis pessoas que tinham como objetivo matar ou prender Moraes

Esse grupo, segundo a PF, fez uso de carros de aplicativos e celulares descartáveis, com a intenção de esconder evidências, e acabou abortando a missão. Eles também usaram codinomes com nomes de países, como “Brasil”, “Alemanha” e “Japão”, na tentativa de preservar seus nomes.

“Os elementos de prova apresentados demonstram que a ação clandestina realizada pelos investigados tinha como alvo o ministro Alexandre de Moraes, sendo a equipe de seis pessoas, conforme previsto no planejamento “Punhal Verde Amarelo”, dividida em pontos estratégicos próximos ao Supremo Tribunal Federal, a residência funcional do ministro”.

 

Por  e  — Brasília / O GLOBO

Foto: Cristiano Mariz

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