Mais de 10,3 mil mulheres morreram vítimas de feminicídio nos últimos nove anos no Brasil. Outras 37,4 mil perderam suas vidas por homicídio no período. Ou seja, em termos percentuais, aproximadamente 21,6% dos assassinatos de mulheres no país ocorreram por questões de gênero.
Os números constam nas edições de 2016 a 2024 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública – documento produzido a partir de dados coletados com as secretarias estaduais, as polícias civis, militares e federal, e outras fontes oficiais – e foram analisados pelo jornalismo da Band, com o auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google.
Os dados começaram a ser coletados em 2015, quando o feminicídio foi tipificado como crime no Brasil. A Lei 13.104 foi sancionada em 9 de março daquele ano e entrou em vigor no mesmo dia. Ela inclui o feminicídio no Código Penal e o define como um “homicídio qualificado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, que envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
De acordo com os relatórios, produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 37.420 mulheres foram vítimas de homicídio e 10.330 foram vítimas de feminicídio de 2015 a 2023. E uma característica chama atenção: com o passar dos anos, os homicídios apresentaram queda, já os feminicídios tiveram crescimento significativo.
“Isso não quer dizer necessariamente que o fenômeno da morte violenta tem se alterado. É mais provável que a mudança esteja relacionada ao modo de se registrar a ocorrência no decorrer dos anos”, diz, em anotação no documento, Isabella Matosinhos, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do FBSP.
“A possibilidade de registro de um crime como feminicídio começou a existir em 2015, com a promulgação da lei, e era algo novo. Hoje, quase dez anos depois, é de se esperar que os profissionais do sistema de justiça como um todo, e em especial os responsáveis por este primeiro registro – os policiais – estejam mais adaptados a reconhecer o feminicídio e diferenciá-lo das demais formas de homicídio, o que deve impactar na qualidade do registro”, completa.
Feminicídio por estado brasileiro
Somente em 2023, segundo os dados mais recentes, compilados no anuário de 2024, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio – o maior número já registrado desde que a lei foi criada. A quantidade, porém, não se distribui de forma homogênea pelo país: 17 estados têm taxas mais altas do que a média nacional, que é de 1,4 morte a cada 100.000 mulheres. As maiores taxas são de Rondônia (2,6); Mato Grosso (2,5); Acre (2,4) e Tocantins (2,4). Já as menores, de Ceará (0,9); São Paulo (1,0); Alagoas (1,1) e Amapá (1,1).
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca que, embora sirvam como indicativo de comportamento do estado, essas taxas devem ser analisadas “com cautela”.
“Sobretudo nas UFs [unidades federativas] com os menores índices, é preciso considerar que a taxa não decorre necessariamente da maior segurança das mulheres naquela região, mas em grande medida de como o registro é feito. Um exemplo é o estado do Ceará, onde o aparato estatal parece não ter incorporado a lei do feminicídio em seu repertório, dado que as mortes violentas de mulheres têm sido cronicamente registradas como homicídio. O Ceará tem a quarta maior taxa de homicídio de mulheres (5,8) em 2023, totalizando 264 mortes. E ainda assim, sua taxa de feminicídio é de 0,9. Isso significa que somente 15,9% dos homicídios de mulheres foram registrados como feminicídio, o que corresponde à menor proporção do Brasil, cuja média é de 37,3%”, explica Isabella Matosinhos.
Em números absolutos, os estados que mais registraram feminicídios em 2023 foram São Paulo (221), Minas Gerais (183) e Bahia (108); os que menos registraram, Acre (10), Roraima (6) e Amapá (4).
Quem morre mais
Os dados do anuário de 2024 mostram ainda que as mulheres negras são as maiores vítimas do feminicídio no Brasil: em 2023, 63,6% das vítimas do crime eram negras e 35,8% eram brancas. Já a faixa etária que concentrou a maior quantidade foi a de 18 a 24 anos, com 16,7% das mortes, seguida por 25 a 29 (14,4%) e 35 a 39 (13,6%).
Em relação ao local das mortes, a casa é o principal cenário (64,3%), seguida por vias públicas (21,4%). “Os dados sobre local do crime são corroborados pelo tipo de relação existente entre vítima-autor. No feminicídio, o companheiro da vítima (ex ou atual) é o responsável por 84,2% das mortes. Quando consideramos também familiares e outros conhecidos, o percentual chega a 97,3% dos casos”, ressalta Matosinhos.
Falta de dados
Além de muitos feminicídios terem sido registrados de maneira equivocada como homicídios no início da implementação da lei, como explicou a pesquisadora, alguns estados sequer levantavam números referentes a crimes contra mulheres, motivo pelo qual não é possível determinar uma somatória exata de dados de 2015 a 2023 no país, muito menos por estado.
Prova disso é que apenas no anuário de 2019 todas as 27 unidades federativas apresentaram números completos. Antes, no relatório de 2018, o Ceará aparecia com “informação não disponível” para feminicídio; no de 2017, não estavam disponíveis os dados de Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Acre, Maranhão, Sergipe, Amapá, Rondônia e Tocantins; por fim, no de 2016, não havia detalhamento de nenhuma unidade federativa.
Band / Uol
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